sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Pesadelo


O trilho de aço batido
é frio sob sol e chuva.
O vento e o tempo carregam
pela eternidade as larvas
à espera da carne tua
para refutar a crença
de que existe no bruto aço
e suas medidas corretas
princípio ativo que faz
o mundo mover-se por fim.
Tantos pedacinhos para dar
em trocas tão ruidosas,
tão abruptas, como a divisa
que se fez entre nós tão
tensa sob o microscópio:
cuidadosamente traz
à vista a tela que há,
e há de aqui permanecer,
mantendo de ti afastada
minha prole virtual.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Quando a cortina caiu e gravei sua voz em minha cabeça, perguntei:


Você se lembra de meu nome?
Meus lábios o desenharam
enquanto desejavam os seus:
tagarelando, tagarelando,
em lindos sorrisos serenos,
sereno suave que cai,
cada fresca gota cai
lúcida como quando lhe ouvi
em nosso único momento:
tagarelando, tagarelando,
em lindos sorrisos de sol,
cantando a paixão pelo pai
e o vil amor ao que faz -
amor que devia de ser meu,
sempre meu, a lhe escutar
sempre, sempre seu, quieto:
tagarelando, tagarelando,
despontando os dentes
e os olhos muito negros
em raios de contentamento.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Resignação


Deixei um lápis rascunhar meu dia
quando você atravessou o batente
para uma terra ampla, terra quente,
onde o sonho jamais morreria.

Sonho que me veio tarde da noite
avisar que seus passos cansados
passeariam pelo acaso praticado
em centenas de sessões de açoites.

Ouvi as músicas favoritas
recordando sorrisos com sono,
escrevi palavras esquisitas

relembrando tudo o que não deu,
que cada tempo só serve a um dono
e que seu tempo nunca foi o meu.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Menino


Quando minha hora e vez chegaram
servi de consolo para mensagens
sem destino,sem respostas do menino
que as escreveu para se acalmar:
palavras desmoronaram sobre medos
e vilões que lhe chibatavam o peito.

Decerto veria o menino em seu destino
suas palavras se tornarem estéreis
sob o julgo deste meu tino perdido.
E de seu rebento a ausência,
deu ao mundo sua ilustre presença
falada em cigarros, cantada em cerveja,
velada em palavras feitas de nada.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Justo


Tantas vezes que fui protegido,
que chamas de brinquedo
queimaram o tecido
de vossas mãos sofridas,
penso nelas e me compadeço tristemente
do amor tenro que me tendes
e da dor silenciosa que vos causo.
É por isso que, sem remorsos
ou arrependimentos de qualquer sorte,
mergulho no sol e me deixo ebulir
com essa proximidade corrosiva:
só pelos olhos e um sorriso novo
em rostos envelhecidos pelo calor.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Telefonema


Quero desesperadamente justificar
minha moral em declínio.
Minhas viciosas corrupções morais
são reflexos da imperfeição
de minha complexa natureza, ser
humano, ser assim, permite-me
ser de todo jeito que sei
não ser o que deveria.
E teu número é?

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Noventa e dois


Tem alguém em casa?
Exceto pelo teto e o sofá,
sinto que estou sozinho
desde noventa e dois.
Sentei e esperei,
com riscos coloridos
ao redor do calendário,
sua mão chegar junto da minha,
seus lábios tenros
sussurrarem canções de amor
aos meus ouvidos,
nossas pernas se entrelaçarem
no símbolo do infinito...
E não é a primeira vez
que espero a felicidade
chegar quando ela inexiste.
Peco para me convencer
de que o que não foi
só pertence as memórias,
para ter certeza que,
em meus ombros mirrados,
não carrego suas mágoas.
Mas todo o esforço se vai,
quando faço amor com o sofá
e adormeço inquietantemente,
para sonhar em desespero
com minhas mágoas
e seus pecados mal resolvidos.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Acordo Pré-Nupcial


Na próxima vez que se deitar comigo,
considere-se bastante doente:
estará fodendo com um morto.
Deliberadamente.

Abra um sorriso em meu rosto,
de orelha a orelha, permanente.
Nunca mais serei o mais triste,
nunca mais serei sério ou real.

Agarre minhas mãos, guie-as
por seu corpo que esfria cada
segundo que toca o meu, gelado:
feche meus olhos em minha paz orgástica.

Passe de mãos em mãos, por quartos
e carros, bocas e fodas, curta
cada momento como se fosse o último,
pois, na verdade, todos serão.

Perdemos nossa capacidade de ser,
e dói fundo na minha alma ter ciência
de que, no final do dia,
simplesmente odeio não amar você.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Se lembrares que existi


Se notares entre as linhas furtivas
de meu olhar que ele é fixo no teu corpo,
imploro que o deixe permanecer.
Se notares meu suspiro cansado
que mancha o ar tão puro que inspira, imploro-te,
de vez por todas, que o deixe quieto,
permita-o perecer sob a tensão
que criei entre nós e que pedacinhos
do ar que respiro cheguem até ti.
Se notares olheiras, não pergunte
jamais se deixei de dormir por ti.
Se notares as razões, alegrias
e os vícios, peço que leve-os contigo
para a cova confortável de teu
adormecer, e divida-os comigo
lá, quando chegar lá, onde tu, morta,
me encontrarás vivo sonhando com
a bela vida que nunca tivemos.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Cangaço


Está frio. Congelo sob o Sol
de trinta e cinco graus.
Meu sorriso racha no ar seco,
sinto falta de sorrisos sadios
desperdiçados sem razão
e destes sonhos de criança
que nunca compartilharei.
Ainda estou aqui, depois destes
segundos que são como eras,
cantando músicas fúnebres
sob a chuva que nunca cai.
Ainda estou no meio deste mar,
mar de areia, concreto e isolação,
rezando para que o vento...
Para a remota chance de
que ele te carregue até
um pouco mais perto.
Rezando para que ele traga
minha alma de volta ao corpo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Embrulho


Embrulhei seu sorriso numa folha,
não numa folha enfeitada,
mas numa folha singela e pacata,
numa sulfite velha e amassada.

Bagagem nas costas, sai à rua
com um embrulho no bolso do paletó
e a ambiguidade referente a troca
que aperta com desdém meu peito.

E o pacote amassava mais a cada vez
que o apresentava a prostitutas
e executivos que se proliferavam
no meu horizonte atormentado.

Cada vez menos desejável,
desejei o envelope para mim,
como nunca antes. Desejei-o
dentro de mim, parte de mim.

Constrangido, vaguei por alamedas
e ruas mil, de havaianas e pantufas,
sem abrir o envelope que me sela
entre o céu e o asfalto quente do inverno.

E enquanto o alcool de meu sangue
é inflamado pelo calor do chão,
uma folha amassada em branco
me mantém vivo, medíocre.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Anil


Tenho um punhado de sonhos e minha eterna misantropia a combater. Alguns deles são toscos, pitorescos e infantis. Outros, são somente arquétipos de uma satisfação que nem mesmo sei se quero satisfazer. O grande problema, querida, é acordar todo dia e encarar post-its virtuais colorindo a janela e a parede do quarto com as notas de tudo que deveria ter sido feito - por mim.
Uma olhada rápida no espelho me faz perceber que sou perfeito, e um segundo a mais basta para esculpir olheiras fundas no mármore sujo de meu rosto, corroído pelo espírito em putrefação que mantém a estátua viva. Outro segundo desenha com esmero as linhas da idade que nunca vou ter, enquanto caricias infindas transformam minha superfície em pó.
Em vias congestionadas, entre o que poderia ser e o que jamais será, a realidade se constrói ao meu redor num piscar de olhos, estes que, cada vez que são fechados, retornam as imagens das obrigações de realizar sonhos. Meus sonhos são correntes que me prendem no cárcere de meu corpo. Minha vida é minha condicional. Alguém deve ser minha liberdade...

domingo, 22 de julho de 2012

Vergonha


Desconstruo o mundo com sorrisos
que há muito não são meus
e epitomizo seios e corações
em gestos de extinta satisfação.
Interpreto miados e latidos
discutindo com som de chuva,
converso com almas e paredes
cada momento acordado
para chegar enfim ao alívio
divino do adormecer.

Tão divino, quando durmo
padeço da observação inquieta
dos traços menos desejados
do meu mundo em implosão,
mas tudo é perdoado, pois
quando durmo sou abençoado
com o esquecimento
de meus sonhos e do mundo,
sou desconstruído entre a cegueira
e minha ambivalência virtual,
vomitada em linhas sem sentido.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Tons de negro


Uma olhada na porta do labirinto:
um passeio pela beira do abismo.
Um rio repleto de arrependimento,
um caminho que já não tem mais volta.

Um dia, umas horas, um almoço ou uma noite.
Pouca soberba esbanjando falta,
uma gana reprimida e afastada,
uma culpa por não fazer nada.

Umas frases um tanto randômicas,
um compasso tão descompassado.
Um exemplo bastante ruim,
e um final quase que inesperado.

sábado, 7 de julho de 2012

Redenção


Que é que encontra meus olhos
neste entardecer nublado
que os faz brilhar em frágil
e calmo contentamento?
Que toque é esse, que de etéreo
parece-me inexistente,
que de perfeito se faz
tão grotesco e tenro incômodo?
Quero libertar minha alma,
encontrar-me entre as correntes
de teu cheiro e teu sorriso,
no cárcere de teu olhar
apodrecer através
de anos e anos e anos e anos.
E onde foi que te escondeste?
Minha terna redenção
esticou suas pequenas
asas, soltando as penas
que acariciam meu rosto
com angelical cuidado,
e partiu, sem deixar rastros.

sábado, 23 de junho de 2012

Global


Entre trópicos e polos moribundos
escrevemos a saga épica do vazio
abissal que se fez entre cada um.

Neste palco perpétuo, enfeites distintos
dados por transeuntes e almas penadas,
que em seus papéis vendidos ao acaso
temem como a morte a própria existência,
penduram-se nos céus de carbono,
corroem corações e sorrisos de gelo
e desregulam o sistema de superlativos,
o mais infame de todos protagonistas.

Pois tudo que hoje é, é demais.
É grande demais, a proximidade
é grande demais, a distância
é grande demais, e tanta grandeza
é grande demais para não ser celebrada.

E celebramos, como celebramos,
enquanto os laços enfraquecem,
a apatia se torna a delineadora
capital das pessoas, celebramos
nosso mundo, nosso sistema, nosso dinheiro,
que é sempre próprio, de um. Meu.

Teu. E quanto mais comparilhamento,
menos dividimos. Quanto mais conexões,
menos pensamos. E quanto mais, menos.

Todos temos em comum duas coisas:
mais paliativos festejantes
e menos grandeza em cada alma.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Uma rua


Acordei, meio que em transe.
Perguntei-me o que era isso,
que isso era a tal alegria,
que era isso, triste e vazia
rua que segue sozinha,
imperturbável em sua
jornada sem um início,
um meio, um fim, um propósito.

Acordei, meio que em trânsito.
Em meio aos carros, na rua,
rua que segue sozinha,
imperturbável em sua
jornada sem um início,
um meio, um fim, um propósito.

Acordei, meio que em transe,
no meio desta rua só
há tudo que sei querer,
nesta rua desgostosa,
onde não experimentei
nada, exceto nada mesmo.
Segui a rua, tão sozinha,
deixada por seus sabores,
por seus amores e dores,
nela nao experimentei
nada, exceto a caminhada.

Acordei, meio que em trânsito,
perambulando na vida,
sem gosto na minha boca,
sem calor neste meu peito,
perambulando na rua,
rua que segue sozinha,
imperturbável em sua
jornada sem um início,
um meio, um fim, um propósito.

Acordei, meio que em transe,
para ver o que era isso,
tamanha alegria, tão
estranha a esta minha rua,
rua que segue sozinha,
imperturbável em sua
jornada sem um início,
com uma história para contar,
desta tão grande alegria,
sem meio, sem fim, sem propósito.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Pilhagem


Pilhagens mil sofreram meus olhos,
abandonados a espera das palavras
que completariam estes versos,
que sem pressa desmoronam.

domingo, 8 de abril de 2012

Resenha


Hoje vou resenhar meus ídolos numa canção:
já que posso tocar meus sonhos com as mãos,

vou fazer chover a tinta que tinge nosso céu.
E daí que a alma congelou? Tiro o chapéu

para tanta liberdade embutida nas palavras
ditas sobre tanta inspiração desmanchada.

Tantas restrições em um coração que não bate mais,
tanto medo, receio que me tira a paz:

Decidi que tudo isso também não me importa,
vou resenhar o coração de gente morta.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Pose


Sou o horizonte desolador do destino,
repleto pelo vácuo dos corações
secos que carregamos através
deste caminho perene e solitário.

Sentimentos rançosos cruzam mindinhos
com suas crias desformes e malignas,
Nosso sicofantismo celebra a dor
de nossa existência insípida e egocêntrica.

Nossa semeadura se torna profana,
enquanto colhemos reflexos criados
por nosso inédito holocausto moral
através de reflexões enegrecidas

mergulhadas nas cores ausentes do
amanhecer e deste ermo entardecer.
Estamos condenados a subsistirr,
sem jamais experimentar o viver.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Luz de gesso


São quinhentos e dois passos
meticulosamente contados.
Passos dados num presente obscurecido
pelo sangue que pulsa no coração,
já tão abatido, da cidade.
A extinta pulsação indica,
talvez, a vitória do populacho
sobre o popular e a destruição
de uma identidade escrita em carmesim.
A negação do autoritarismo sucumbiu
frente às forças revolucionárias.
Restou-nos ser colonizados
e conviver diariamente
com o paradoxo da ocupação.
Em quinhentos e dois passos,
vejo sempre silhuetas emocionantes,
obras grandiosas e a beleza mal cuidada,
que faz contraste a marginais,
favelas e desapego,
sabendo que me resta ver,
no final deste caminho,
ao som de um piano maltratado,
uma gloriosa luz de gesso.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Enquanto você dançava...


Às vezes, quando o escuro vem
e o dia chora seu entardecer,
fico eu aqui procurando quem
passa entre passos baqueados
por entre todos, por ninguém
em busca de uma nota limpa ou,
do vício do qual sou refém,
de cantos mais que imaginários,
recantos muito mais além
de vossos sonhos refratários,
das paixões que já não tem.
E toda noite eu sigo assim,
enquanto o som não me quer bem,
e tu danças longe de mim...